A MALDIÇÃO DO VINHO
Era quase final de outono. Pelo prenúncio de um inverno rigoroso, talvez por isso o Roberto Carlos despontasse tanto nas paradas com a música “Quero que você me aqueça nesse inverno...” Nessa época as folhas das árvores da praça caiam triste e impiedosamente sobre a grama verdinha dando um enorme trabalho pros meninos do Sr. Baltazar. Rastelar aquele monte de folhas era tarefa para um dia inteiro. Nada mais gratificante que a visita de uma das moças que trabalhavam na casa das pessoas que moravam em torno da praça, para que fossemos na cooperativa buscar uma lata de margarina. Aliás, não entendo como consumiam tanta margarina. E eu curioso pra saber que gosto tinha aquilo. Só não violava a embalagem porque è época era de lata fechada hermeticamente. Na minha casa só tinha manteiga de leite. Margarina deveria ser algo muito fino, só pra gente chique. Se soubesse...
Naqueles dias tudo estava dando certo pra mim. Começara bem a semana assistindo o filme de uma das minhas atrizes prediletas: a lindíssima Sandra Dee. (Vejam abaixo numa de minhas primeiras postagens e ouçam a musica tema do filme). No ginásio a garota pela qual eu sentia algo bem mais que uma amizade, (à época chamávamos de amizade colorida que não tem nada a ver com o significado de hoje. Era uma amizade pintada com outras cores), vinha conversando bastante comigo – que legal. Se em relação à estação do ano a música indicada acima se encaixava bem, aqui eu preferiria outra música do Roberto: “Eu te darei o céu meu bem e o meu amor também”. Minha professora predileta também já tinha até falado “oi” ao passar por mim em frente ao “apartamento”. Grande progresso porque ela nem dava aulas pra mim. Era minha paixão naqueles dias. Que obviamente não daria certo, como não deu.
Como tudo seguia bem nem fiquei muito triste quando meu pai disse naquela manhã que deveríamos limpar completamente o jardim no máximo até o horário de almoço. Acho que estava nervoso o Velho naqueles dias. Provavelmente o Santos, (time de sua simpatia) deveria ter perdido ou não estava dando certo o namoro dele com a Altina. (minha irmãzinha agradecia).
Fosse por qualquer razão melhor seria não facilitar e limpar a praça o mais rápido possível para acalmar meu Velho. Os dias de final de outono são longos e as sombras das árvores ficam compridas ali pelas duas da tarde – acho que por isso fico com tantas saudades quando saio de minha casa hoje após o almoço e em frente tem um parque com enormes pinheiros cujas sombras atravessam minha rua e veem desejar-me boas vindas na volta ao trabalho. Nessas horas bate uma saudade imensa do meu Velho Amigo Balta e de nossa Praça na Ponte Alta.
Para minha surpresa, quando voltei do almoço meu bom Chefe determinou que eu e o Geraldo nos dirigíssemos à igreja pois havia um trabalho pra nós lá. O Geraldo era um novo contratado do Velho. Era um menino moreno, boa gente, pouco mais velho que eu. Acredito até que ele more em Ponte Alta até hoje. Nunca mais o vi desde que saí de Ponte Alta e não me recordo o sobrenome dele.
Deduzo que esse trabalho estivesse relacionado à festa anual da igreja, pois se era outono e a festa ocorria em maio só podia ser isso. Algo relacionado com aquelas barracas que eram montadas pra vários tipos de diversões. Eu adorava a barraca do coelhinho, com as casinhas numeradas onde o bichinho entraria. Quem não deveria gostar nada era o coelho, com todas aquelas luzes nos olhos e aquele monte de gente falando pelos cotovelos. Acho até que por isso mesmo ele rapidamente se enfiava numa daquelas casinhas, para alegria do sortudo que tivesse comprado aquele número.
Não sei se chegamos cedo demais na igreja o fato é que lá não tinha ninguém pra nos passar o serviço. Poderíamos ficar sentados na porta da igreja mas, vocês já viram criança ou pré-adolescente parar? Difícil não. Estávamos ali imaginando o que fazer quando veio a minha mente a ideia mais luminosa que poderia ocorrer. Nas histórias em quadrinhos uma ideia luminosa é representada por uma lâmpada lembram-se? Na minha a imagem representada foi aquele vinho com cheiro adocicado que colocávamos no cálice todos os domingos na hora da missa. Até porque achava uma tremenda injustiça só o padre tomar vinho e a gente não. Não fazíamos tudo que ele fazia? Se ele ajoelhava tínhamos que ajoelharmos também. Quando ia proferir o sermão tínhamos que ficar ao lado dele de pé enquanto todos ficavam sentadinhos numa boa. Já que éramos tão solidários ao padre porque não tomarmos um golinho de vinho também?
Pois é, mas com naquele tempo não tinha a onda ainda das passeatas pra se conseguir algo em favor de uma classe, os coroinhas insatisfeitos deveriam ir reclamar ao Bispo ou por tudo na conta do Papa.
Como dizem que quem espera sempre alcança, meu sonho de sentir o gosto do vinho do padre estava ali ao nosso lado. Chamei meu amigo para tentarmos achar a garrafa de vinho. O bom de criança e adolescente é que uma boa ideia é sempre aceita. Nunca foi tão fácil. A porta da igreja que vivia fechada eternamente durante os dias da semana naquele dia estava aberta. A sacristia, acreditem, estava aberta. Tinha um armário logo de cara com a chave na fechadura! Foi só abrir, destampar a garrafa e apreciar o delicioso vinho. Tomamos tanto vinho que das duas uma: Ou vinho de padre tem zero de álcool, ou meus genes de descendência italiana já estavam funcionando a todo vapor para absorver a preciosa bebida, com álcool e tudo pois nem fiquei grogue.
Como era coroinha experiente – vê se pode isso – sabia que as hóstias antes de consagradas não representavam o corpo de Jesus. Sendo assim, mais uma curiosidade: comer hóstia, como seria? Pois é lá fomos nós sentir como seria. Gosto de nada não é? Mas para criança era algo fantástico, algo proibido.
O pior viria depois. Vocês não imaginam. Conta a lenda que ao quebrar um espelho o indivíduo terá sete anos de azar. Quem toma vinho do padre deve ter uma praga de 40 anos de dor de cabeça, pois passei minha adolescência inteira vendo os amigos curtir o delicioso vinho na maior alegria e eu não podia. Meio copo de vinho já era suficiente para causar uma dor de cabeça sem tréguas. Só de uns 10 anos pra cá consegui tomar vinho sem ter dor de cabeça. Acho que o padre já me perdoou ou deve ter vencido o tempo de duração da maldição do vinho.
Moral da história: Meu pai nunca me disse nada, sinal de que o padre não viu e se percebeu nem quis reclamar. Difícil não ter percebido.
Fico imaginando o que teria dito o padre ao ver sua garrafa de vinho incompleta. Como não me recordo quem era o padre naqueles dias vamos por dedução:
Digamos que fosse o Frei Alberto. Como já era vermelho por natureza e não tinha mais como se irritar provavelmente explodiria como a Dona Redonda. Ao que me consta nunca um padre explodiu em Ponte Alta. Logo não era ele.
Vamos dizer que fosse o Frei Boaventura. Com a gente nunca sabia se ele estava de mau humor ou alegre,posso dizer que feliz dele que a missa era inteira em latim. Ele teria dito o seguinte:
Кой е бил кучи син choirboy, НАСТЪПИЛИ MY WINE
Ou seja, ninguém entendeu nada, que era como o povo entrava e saia da missa com ele, pois seu forte sotaque de algum país do leste europeu não permitia coisa melhor.
Como o povo entendia o sermão dele? Só Deus sabe.
Mas digamos que por sorte do coroinha larápio fosse o Frei Nicolau. Velhinho bom, gente fina pra chuchu na certa teria dito: “Deixem os meninos se divertirem. Vinho pra eles que eles merecem.” Era do Pará esse padre. Frei Nicolau Casagrande era o nome completo dele.
Agora melhor seria não ser o Frei Inocêncio. Padre novo e mal humorado, fazia um sermão que era uma bronca geral naquele povo. Me lembro dele dizendo: “Não adianta nada vir à igreja, somente esquentar o banco. Tem que isso, tem que aquilo.” Mas vamos dar a mão à palmatória: Estava certo ele. A velha luta contra a hipocrisia do ser humano.
Ele na certa diria em alto e bom som como o Roberto Justus:
“VOCÊ ESTÁ DEMITIDO”.
E pra encerrar ainda bem que não era a Irmã Rosa que celebrava a missa. Ela com certeza, sem fazer qualquer investigação, sem perguntar nada a ninguém, diria taxativamente:
“ FOI O MARINHO”.
Ô Velhinha chata que pegava tanto no meu pé. Eu cuidava da égua dela, que por sinal era muito dócil, preparava a charrete dela e um dia...
Mas isso é outra história.
SEGUNDO CASO:
PERALTAS BONS DE BICO
Vou contar meu segundo caso de PONTE ALTA. Pra quem já participava de outra rede social, já havia contado lá:
Nós morávamos na fazenda da Ponte Alta. À época meus dois irmãos do meio que deveriam estar com 12 anos e outro 15 estavam naquela fase de branquear o cabelo dos pais. Na esquina da rua que começava no bar do Juca e ia pra fazenda, paralela à cerca da fábrica, lá no final, após um mata-burros, o Bastiao Nortista, que era compadre de meu pai estava construindo sua casa. Eu me lembro bem porque naquele tempo quase nao havia casas ali, acho que só a do Argeu e mais umas duas ou tres. Essa que estava em construção ficava bem de esquina onde a gente passava. Enfim, meus irmaos que nao eram nada santos, empurraram pra dentro da cisterna que o homem tinha cavado e já com agua, dois tambores de 200 litros. Imaginem o tamanho da encrenca. Meu pai quando ficou sabendo intimou os dois peraltas. Pensem só na vergonha que meu pai passou. Ouvir uma reclamação dessas, justo de seu compadre! Mas um dos meus irmaos jura ate hoje que nao foram eles. Eram muito amigos dos filhos do Leodoro Vaz, o Gersino e o Totonho e aí ficou aquele jogo de empurra, cada um querendo tirar o seu da reta. O Sebastião - meu irmao, jura que quem aprontou foi o Gersino. De qualquer forma sobrou uma surra pra eles. Com culpa ou sem apanharam pra aprender - hahahahahahahaha - Mas o caso é muito engraçado e vale a pena lembrar. Só nao foi engraçado pro Bastião Nortista - imaginem retirar de dentro de uma cisterna dois tambores de 200 litros que nessas alturas ja deveriam ter ido pro fundo e ali, como era bem alto provavelmente deveria ter cavado muito pra chegar na água. Muito menos foi engraçado pro meu pai, coitado, numa época que educação era fundamental.
3o - VERSOS - SAUDADES
HOje bateu uma vontade de escrever sobre PONTE ALTA. Então vamos lá. Espero que de alguma forma, se você é um (a) saudosista como eu, possa viajar no tempo e rever sua infância ou adolescencia ou simplesmente curtir esse momento. Ah, não vou colocar titulo pra deixar que voces sugiram um mais adequado. Assim vcs comentam - risos. O primeiro versinho é meio plágio do Casimiro de Abreu mas depois é tudo original:
Ai, que saudade que tenho
da Ponte Alta querida
Aurora da minha vida
Que os tempos nao trazem mais.
Gostava de passear na vila
jogar biloca na bila
Ir pro parquinho bem cedo
Dar trabalho ao Tio Pedro.
No sábado tinha futebol
Houvesse chuva ou sol
À noite ia pro cinema
O filme valia a pena
No domingo tinha missa
Todos iam ali rezar
O que me dava mais preguiça
Era ir se confessar.
Mas tinha uma festa anual
Achava aquilo "TÃO LEGAL"!
Eram agitos constantes
As paqueras e os correios elegantes
Acabava a festa da igreja
Muitos iam pra cerveja
Os jovens com coca-cola
faziam o point na escola
Namoravam naqueles murinhos
Apoiados nos caninhos
Andavam de bonde na praça
Desfilando sua graça
PONTE ALTA era assim
Felicidade sem fim.
SE algo não disse o Mário,
Deixe aqui seu comentário.
SAUDADES...
Hoje eu acordei com saudades de você...
Embalando a música da época,(1967),do Ronnie Von, sinceramente hoje acordei com uma tremenda saudade de... Ponte Alta.
Saudade é algo difícil de definir mas como esse não é nosso objetivo vamos à mensagem que eu gostaria de passar a todos vocês.
Tenho saudades dos murinhos branquinhos com canos ligando um pilarzinho ao outro e vale a pena louvar a inteligência de alguém ao deixar um lance desses murinhos muito bem cuidado ao lado da igreja. Tenho saudades das ruas de terra cobertas com aquelas pedras de cal, branquinhas também que usávamos para escrever o nome em tudo quanto era lugar, as casas todas padronizadas como se estivessem uniformizadas pra irem
à escola. Das meninas que catavam cinco pedrinhas pra jogar naqueles alpendres sempre com seus pisos vermelhos brilhando com cera Parquetina ou Poliflor – pelo menos eram essas que eu ia comprar na cooperativa pras madames que moravam na praça ou pras minhas primas quando enceravam nossa casa.
Saudades de uma senhora que deveria ser sueca e tinha dois meninos que brincavam conosco mesmo sem saber falar uma única palavra em português. E como nos entendíamos? Linguagem dos sentimentos que a criança traz com pureza mais do que qualquer outro ser. Aliás, em relação a essa parte duas observações engraçadas:
1 – Como eu vendia banana de casa em casa era difícil me entender com minha cliente ainda mais porque ela queria comprar banana por quilo. Pode isso? Você falar pra alguém nos anos sessenta que se vendia banana por quilo? Era louca a loira. Além de não saber falar não batia bem da cabeça. Muitos anos depois eu viria a entender. Tudo tem seu tempo.
2 – Os meninos se chamavam Miguel e Wander. O mais velho, Miguel, como todo estrangeiro tinha uma dificuldade enorme em pronunciar as palavras terminadas em nha, nho e pra meu azar, Marinho pra ele era impossível, pior do que isso quando ele me chamava saia Marina. Vê se pode, na idade infantil duas coisas provocavam brigas feias: xingar a mãe ou duvidar de sua masculinidade. E Marina era só a filha do Evandro da farmácia, bem diferente do Marinho. Mas, como brigar com o menino que falava com tanta naturalidade e sentimento de amizade? Pelo menos era isso que a Tia Lúcia tentava me ensinar. Que fim teria levado essa família só Deus sabe. Quem sabe os meninos não integraram o famoso Grupo ABBA?
Mas voltando a outras lembranças de um tempo colorido que eu gosto de rever em preto e branco me recordo com saudades das brincadeiras da infância. No banco da praça cabiam acho que uns seis meninos sentados. Mas sentávamos vinte e tínhamos uma brincadeira que chamávamos: Fazer a gata parir. Funcionava assim: Pressionávamos todos na mesma direção até derrubar o que estava na ponta. Mas era uma brincadeira bem democrática. Aquele que caía agora tinha direito de ir pra outra ponta do banco e ser o primeiro a exercer a pressão em sentido contrário. Era já uma atitude sábia: Você pode ter alguma queda na vida mas basta levantar-se e tentar de novo. Quanta inocência! E como ríamos.
As meninas brincavam de roda no pátio da escola com suas cantigas engraçadas. Às vezes alguma chorava. Acho que sobrava na roda. Já era a roda viva da vida demonstrando que nem sempre tem lugar pra todos. Apesar disso a vida ia feliz.
Saudades daquelas pessoas que partiram dessa vida mas nunca sairão da MINHA vida.
Saudades também daquelas que nunca mais vi e talvez nem verei.
Saudades de ir à maquina de arroz do Alberto buscar cinzas que eram usadas para dar brilho nos utensílios de cozinha. Essa cinza vinha da queima da casca de arroz e ficavam aquelas montanhas enormes como se fosse um vulcão queimando eternamente.
Saudades de seguir a superstição da galera mirim que dizia, se encontrássemos uma daquelas florzinhas vermelhas com exatas três numa rama só, aquelas leitosas que contornavam o parquinho, e colocássemos embaixo do travesseiro sonharíamos com a menina que iríamos casar. Se difícil era achar a florzinha de três, - só achava de 2 ou 4 - impossível era decifrar o nome da menina. Acho até que sonhei, ou pensei que sonhei, mas não entendi o nome porque ainda não conhecia a menina que eu iria me casar.
Saudades da primeira namorada, saudades da Escola, saudades das professoras que no dizer preciso da Dona Zely “primeiro amava e depois ensinava”.
Saudades de moer café na hora – se bem que eu não gostava porque aqueles moinhos eram duros pra girar e aí entrava a criatividade infantil: Soltava a porca pra deixar a manivela mais leve mas daí vinham as consequências: O pó fica muito grosso e muitas vezes tinha que voltar a moer de novo pra aprender.
Saudades de ser criança, saudades de vocês.
COISAS DE MENINO
Havia na rua da casa da Maristela Mariano - Rua A - um pouco mais abaixo, a casa do Sr. ALFEU. Tinha um menino aproximadamente de minha idade ,branquinho igual leite, e cabelo feito os de uma espiga de milho. Era o Alfeuzinho. Não éramos exatamente grandes amigos mas de vez em quando minha adorável Tia Lúcia permitia que eu fosse na casa dele jogar futebol de botão. Ele tinha o time do São Paulo F.C. Como não havia outro time dividíamos os jogadores em 5 pra cada lado. O campo era aquele alpendre enceradinho e os botões deslizavam mais que se tivessem num campo profissional de futebol de botão. Ainda me recordo quase toda a escalação do time: Suli, De Sordi, Deleu, Riberto, Dias, Benê, Faustino, Gino, Canhoteiro. Faltaram 2 nomes. Era preciso tão pouco para nos divertirmos bastante.
Outra brincadeira que eu adorava era brincar de cowboy. Aí quase sempre era no final da Rua A, Entre as casas do Sr.Clever e do Maroca. Os 3 mosqueteiros que não faltavam a uma única sessão: Eu, Clevinho
e o Carlos do Oripinho. Esporadicamente compareciam outros como o Gilberto Machado, o Luiz Sérgio, o Adalberto, o Rodolfinho. Ficávamos ali dando tiros de mentira das 6 da tarde até 10 da noite com nossos revólveres de madeira. O Clevinho ainda tinha revólver com o coldre e tudo e até com espoleta. Depois de algum tempo ganhei uma metralhadora azul.
Aos sábados à tarde íamos eu e o Carlos jogar futebol nos fraldinhas do Ponte Alta que só treinavam. Nunca jogamos uma partida sequer. Eu vestia minha camisa amarela número 3 que ganhei do Walter Duran e ficava todo feliz. Como meu cabelo era rebelde e estava sempre arrepiado meu primo Zezão me chamava de Belini. Eu acreditava, (rsrsrs) me sentia o capitão da Copa de 58. Aos domingos íamos jogar de verdade. Eu e o Carlos, amigos inseparáveis, jogávamos no time do Índio. Ele de lateral direito e eu de beque central. O goleiro era o Pepe, mas ainda tinha o Rodolfinho, Rebolo, Djair, Zé Humberto, o Pancho e o próprio Índio.
De vez em quando, muito de vez em quando, eu podia acompanhar aquela tropa de meninos que ia nadar ali pelos lados da linha do trem. (Se minha tia soubesse onde eu estava indo com certeza não deixaria). Como eu ia pouco, numa dessas o Carlos estava tão feliz com minha presença e me contando de um cipó que atravessava um espaço enorme tipo igual nos filmes deTarzan. Chegando ele tomou a frente e gritou:
- Ô Marinho! Ô Marinho! Olha só!
E dependurou no cipó e lá se foi ele. .. Pro ar e em seguida... pro chão, porque naquele dia, justo naquele dia o cipó quebrou. Imaginem a risaiada daqueles 30 a 40 moleques juntos. Na volta todos gritavam:
- Ô Marinho Ô Marinho! E caiamos na gargalhada.
E tinha o lance das namoradas. Todos nós tínhamos nossas namoradas. Só um pequeno detalhe:
“Elas não sabiam. “
Um amigo que estava começando aprender dançar resolveu me sacanear. Um dia ele disse:
- Marinho, dancei com a sua namorada.
Eu que devo ter sido a inspiração pro Coisinha de Jesus não era chegado a bailes. Aliás meu "grande amigo" ainda tirou onda:
- Tá reclamando do que???? Aprenda dançar.
Pensei comigo: Filho da mãe... Não foi bem filho da mãe que pensei, mas palavrão só no pensamento naquela época.
Conclusão: Fiquei P da vida, mas não poderia fazer nada mesmo.
Ou podia????
Claro que sim!!!!
Meu amigo não era católico e eu era coroinha. A "namorada " dele era catolicíssima .Ah!!!! Minha vingança seria maligna!!!
Passado alguns dias disse pra ele :
- Abracei sua namorada hoje na missa.
Ele bravo:
- Porque você fez isso?
Eu falei calma e tranquilamente:
- O padre mandou.
E ele:
- e por que o padre mandaria você fazer isso?
Eu respondi:
- Ela não comunga?
Ele não sabia nada disso bobinho que era em termos de igreja.
Então, - continuei - o véu dela caiu bem na hora de receber a comunhão e aí o padre mandou eu ajeitar. Apanhei o véu do chão e tive que abraçá-la para ajeitar bem no corpo dela.
Ficou bravo o menino. Queria brigar. Pode uma coisa dessas?
Eu só pude dizer :
- Tá reclamando??? Aprende ser coroinha uai!
Mas pra terminar o assunto sem brigas fizemos um acordo:
- Você não dança mais com minha namorada e eu não chego mais perto da sua garota.
Agora aqui pra nós :
Não aconteceu história nenhuma de véu. Foi um amigo adulto, geração mais experiente, que
deu essa dica fantástica.
Era divertido ser criança em Ponte Alta.
Tinha um menino, "meu amigo" (Outro. Eu estava bem de “amigos”, fala a verdade?) que me batia sempre. Muy amigo não é? Fomos colegas de escola do primário ao ginásio. Mas como tudo cansa um dia a história se inverteu. Estávamos como era comum, uma leva de moleques ali perto da cooperativa. Então começamos o bate boca. Ele provocando porque sabia que levaria vantagem. A molecada era “solidária”!!! Tivesse um comecinho de briga eles davam o maior apoio. Punham a mão entre os dois briguentos e diziam:
Quem for mais homem cospe aqui. Quando a gente cuspia eles tiravam a mão. Imaginem o resultado.
Pra resumir, nesse dia prometi a mim mesmo:
Dessa vez não vou apanhar!
Chega!
Até porque eu já havia crescido bem mais, ele tinha estacionado e eu o passei, era mais alto agora, olha que felicidade!
Bom insulto daqui insulto dali eu desferi um soco. Ele imitando um mocinho de um filme que tinha passado naqueles dias abaixou. Malandro o menino não é? Aprendeu rápido o truque do Lex Barker. Só que "não contava com a minha astúcia". Abaixou? Pensei rápido também e dei um chute daqueles no moleque. Coitado. Rolou pelo chão gritando e a molecada me carregou em triunfo. Não sei se me carregaram porque venci ou seria porque ele era chatinho mesmo que ninguém gostava. Maldade a minha não? Mas vocês já sentiram o que é apanhar direto? Nunca mais ele quis por a cara comigo...
Sem saber eu já seguia um conselho de Mestre:
“Seja simples como a pomba mas prudente como a serpente”
Perdi o amigo – rsrsrsrs – sempre que voltava a Ponte Alta conversávamos, mas ele ficou magoado, dava pra sentir. Eu apanhei tantas vezes e sinceridade:
Não guardei mágoas. Coisas de criança.
COISAS DE MENINO.
Éramos muito felizes!!!
O DIA QUE O ÍDOLO TORCEU PRO FÃNZINHO
Meus primeiros chutes numa bola aconteceram como não poderia deixar de ser no inesquecível Estádio dos Eucaliptos, hoje Barretão, em Ponte Alta.
Havia naquela época em que eu tinha 10 a 11 anos de idade um infanto juvenil que treinava todos os sábados. Nesse time tinha o Ademir, O Breguesso, O José Carlos Gerolin, Silauzinho, León e outros futuros craques. Eles estavam na faixa etária dos 14 aos 16 anos de idade. Após o treino deles o Sr. Zé Danana e o Sr. Euclides (Cridão) treinavam os fraldinhas. Meus amigos boleiros eram o Curvinha, disparado o melhor de todos, o Tulino, Luiz Sérgio, Carlos do Oripinho, Rodolfinho, Vanderley Machado, Pico, Luisinho, Rebolo, Helinho do João Primo, Heli do Paulo Machado e outros que não me recordo no momento. Quando digo que o Curvinha, cujo nome era Ataíde era o melhor só pra vocês terem uma ideia do apelido do garoto:
Pelé. Precisa dizer mais?
Além de bom de bola era metido o garoto. Vocês não imaginam. Driblava bem, era liso igual sabão e tinha o apelido de Curvinha porque ele falava:
- Vou chutar de “cuivinha”.
Eu tinha uma vocação pra ser o camisa 3. Como meu primo me chamava de Beline, o capitão da primeira Copa, lógico que eu me sentia o tal - rsrsrs. O zagueiro do São Paulo F.C. era meu ídolo. O Zezão, meu primo, me chamava de Beline em razão do cabelo rebelde, sempre espetado igual do camisa 3 da Seleção campeão da Copa de 1958.
Quase ninguém usava camisa de futebol nesses treinos, mas como em Ponte Alta teve um infantil que havia sido extinto onde jogavam meu irmão Tiaozinho no gol, (o baixinho voava naquelas traves enormes do campo do Ponte Alta), o próprio Ademir, Silauzinho, Miltinho Botta, Valdir Montandon, Totonho, Walter e tantos outros os quais usavam uma camisa amarelas como da Seleção, com o número verde. Ah eu sabia que o Walter ainda tinha a camisa 3 e tanto enchi a paciência dele pedindo a camisa que ele me fez essa gentileza. A camisa já estava cheia de buracos embaixo do braço mas pra mim era uniforme novo. Adorava todo sábado vestir minha jaqueta 3 e ir pra beira do campo esperar nosso treino.
Em Ponte Alta em razão da posição meu ídolo era o titular da 3 do nosso time, o Adão. Ele era um sujeito muito gente fina, sempre sorrindo, amigo de todos. Era um negro alto e forte que se existisse narrador de futebol em Ponte Alta na certa o nomearia por Muralha Negra. Era o anjo da guarda do Cabecinha, nosso goleiro, pois não dava mole pra atacante nenhum. Eu me lembro que o estilo dele era parar na frente do atacante e abrir os braços como se fossem asas. Com essa tática inteligente de prolongar o corpo que já era imenso, dificilmente os atacantes passavam por ele.
Então nas tardes de domingo ficava eu torcendo pelo Ponte Alta e imaginando se um dia jogaria tanto quanto o Adão. Quem sabe no time do Ponte Alta... Sonhos de criança.
Aí aconteceu numa daquelas inúmeras tardes de treino em que eu marcava o Curvinha, e olha, tinha que chegar junto ao moleque e até procurar intimidá-lo porque senão ele desmoralizava mesmo com seus dribles.
Ali na lateral esquerda do nosso campo, do lado da igreja aconteceu o fato que mais marcou minha passagem nos fraldinhas, que, aliás, nunca jogou uma partida – só treinava.
Como naquele tempo a marcação era homem a homem, no nosso caso moleque a moleque rsrsrs – O Curvinha buscou uma bola na ponta direita e lá fui eu pro combate.
Ele parou naquela de dançar em cima da bola e eu claro não fui babando em cima porque seria driblado na certa e a torcida lá fora vibraria porque gostava de ver o menino jogar. Na verdade time de crianças nessa faixa etária sempre chama a atenção dos adultos.
Ficamos naquela: Ele esperando o bote pra driblar e eu esperando e pensando: vou ou não vou?
Aí escuto uma voz forte vinda do muro que contornava o campo. Esse muro ficava onde hoje está o alambrado:
- Vamos Taliano! Vai pra cima do homem!
Meu irmão mais velho (Antonio) já jogara no aspirante do Ponte Alta, na defesa também, mas nessas alturas dos acontecimentos já tinha se mudado pra São Paulo. Ele tinha o apelido de Italiano mas a mineirada falava Taliano. Esse foi mais um dos incontáveis apelidos que eu tive. Herdei do meu irmão.
Olhei pro lado do campo e quem estava lá torcendo pra mim?
Não acreditei. O Adão! Meu ídolo. E me incentivando. Ele como ninguém deveria imaginar o que era um atacante folgado querendo fazer graça pra cima de um beque e certamente era o único torcendo pra mim. O resto queria mais era ver o Curvinha me driblar.
Ali, com o apoio do Adão não tinha como vacilar. Não deu outra. Decidi na hora.
Saltei com os dois pés sobre a bola, um carrinho perfeito, típico daqueles bons laterais dos anos sessenta, como meu irmão Zezinho conhecido na Ponte Alta por Coronel em alusão ao lateral do Vasco que não dava moleza pro Garrincha, ou mesmo o Walter que marcava super bem. Batiam até na alma do coitado do ponta. Foi bola pra lateral e o Curvinha com o impacto decolou pra linha de fundo resmungando tudo que podia. Só ouvi o moleque dizer:
- Seu “foigado”.
Aqui pra nós: Vocês acham que com esse torcedor ilustre botando fé no camisa 3 eu iria decepcioná-lo?
Ah! foi como se tivesse feito um gol. Não vibrei como esses bequinhos de hoje fazem ao chutar uma bola pra lateral, mas só olhei pra cara do atacante caído entre o gramado e o muro e disse:
- Aqui não meu chapa! Levanta daí e vai fazer graça noutro lugar.
Olhei orgulhoso pro Adão que exibia aquele sorriso costumeiro como que aprovando e feliz pelo meu comportamento.
Ia querer o que mais? O cara que jogava no titular, os chamados “cobras” , disputando o campeonato amador de Uberaba, ali torcendo pra quele molequinho valente com o mesmo número na camisa. Ganhei o dia.
E assim foi minha curta carreira de beque central que depois dei prosseguimento em São Paulo, mas só na fase infantil. Em Sampa meus carrinhos costumavam deixar as coxas marcadas de sangue porque o campo era terra batida. Que saudades do Estádio dos Eucaliptos – único - com aquele tapete que era uma delícia deslizar.
Mas tive minhas falhas também. Noutra oportunidade conto a “cagada ensaiada” do bequinho e o goleiro (Luiz Pepe) entregando uma vitória certa de 1x0 do time do Índio e perdemos por 2x1 – mas o juiz roubou viu rsrrsrs
Com a chegada da adolescência me tornei atacante. Era bem melhor se livrar dos Curvinhas da vida. - rsrsrsrs
Mário Suriani
Grupo Astros e Estrelas de Ponte Alta/Facebook