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SOMBRAS DE PRIMAVERA
SOMBRAS DE PRIMAVERA

Já há algum tempo o inverno se despedira de Ponte Alta naquele ano tão especial de 1965.
As tardes se tornavam mais longas, alegres e cálidas.
As sombras compridas e tristes do outono ficaram lá para trás com seus fantasmas e conflitos. (Ou seriam os meus?)
A energia da primavera se fazia cada vez mais presente oferecendo uma paisagem colorida, festiva e acolhedora.
Os alunos do Grupo Escolar Walter Prado Dantas contavam nos dedos os dias que faltavam para as férias cada vez mais próxima.
O ano fora de tantas novidades! Professoras importadas de Sacramento e Uberaba. Agora tínhamos curso ginasial, olha que luxo!
A Rádio Difusora de Uberaba e todas as demais emissoras tocavam sem parar, O Calhambeque com o Roberto Carlos, Trem das onze, Festa do Bolinha, Menina Linda, e tantas outras. Até o Altemar Dutra se sentia SENTIMENTAL DEMAIS!
De minha parte a empolgação vinha porque pela primeira vez deixaria o berço natal para ir um pouco mais longe. Até então o máximo que me afastara de Ponte Alta fora para ir até Uberaba. Era uma epopeia os 30 quilômetros até Uberaba.
Através da jardineira do Zé Boné nas cores verde e branca, tendo o sempre cômico Luisinho como cobrador mas fazendo as vezes de palhaço, divertia e muito os passageiros com seu constante bom humor.
Eu e minha irmãzinha Júlia disputando a janela do veículo. Ninguém queria perder um segundo do filme que eram essas viagens.
Assim, para quem aos 11 anos de idade achava tudo isso um acontecimento fantástico imagine os planos e preparativos para uma viagem de 500 quilômetros e conhecer São Paulo?
Uau!!!
Seria uma viagem para virar história.
E não é que virou!
Mas voltando pra nossa viagem local olha como ela se desenrolava:
Começávamos tomando a condução ali na esquina das Ruas A e C, bem em frente à casa da Dona Elza. Ficávamos aguardando ansiosamente a jardineira aparecer lá no começo da Rua A, nos divertindo ali em frente ao jardim da casa do Sr. Clever e Dona Marlene. 
O possante veículo chegava já trazendo com ela a poeira com aquele cheiro característico que a gente não esquece nunca.
Fazia todo o percurso dentro da Vila parando no Bar do Benzico, o popular Sabiá.
Depois seguia pela Rua do Comércio até lá perto do Jorge Sapateiro onde virava à esquerda e após passar em frente à Escola Guanabara chegava à primeira grande parada:
Fazenda São José.
Sempre tinha um grupo numeroso de passageiros ali aguardando.
Daí em diante as emoções se resumiam à passagem por Peirópolis e a perigosa descida do Lajeado.
O condutor ia relativamente atento porque a descida era brava.
“NÃO CONVERSE COM O MOTORISTA” era o que se lia no aviso ao alto. Mas até parece. Falava mais que papagaio o sempre alegre Zé Boné.
Quando cruzávamos a ponte de madeira do Lajeado dava até arrepio olhar lá embaixo a água preguiçosamente escorrendo pelas pedras no ribeirão. Logo em seguida avançávamos por um percurso íngreme e daí pra frente era curtir a estrada de terra que riscava o sertão, sempre margeada por uma linha de postes cujos fios com certeza não transmitiam energia elétrica. Seriam telefones? O mais certo é que fizessem parte de uma linha de telégrafos.
Quase chegando em Uberaba cruzávamos a linha férrea após a parada obrigatória: PARE, OLHE E ESCUTE.
Eu sempre olhava nessa chegada uma placa com uma seta indicando à esquerda: SÃO PAULO.
Ah! Pensava, finalmente estava próximo o dia em que seguiria nessa direção.
Como seria São Paulo? Lia com empolgação enorme os livros de geografia e observando as fotos me deslumbrava com todos aqueles prédios. Seria um sonho conhecer aquele lugar. 
Deixando de lado o sonho voltemos a nossa doce e bucólica Ponte Alta, onde vamos encontrar o Sr. Baltazar às voltas com o seu viveiro preparando as novas mudas de eucaliptos que iriam reflorestar algumas áreas no entorno de nossa bela cidade.
Com a chegada das abençoadas águas de novembro a ordem era todos carregando os pequenos balaios com as plantas dos eucaliptos que já atingiam por volta dos 70 centímetros de altura, direto para a caçamba dos caminhões do Chiquinho ou do Chico Boieiro, as quais seriam replantadas no chapadão. 
Na verdade todos era força de expressão. Quase todos porque se éramos em 6 ou 7 garotos trabalhando sob as ordens do Velho, eu como o menorzinho (somente 11 anos de idade) e uma vez que era rigidamente escalado para uma tarefa diária: atrelar a égua da Irmã Rosa à sua charrete, dificilmente poderia participar ativamente da fase do reflorestamento. Nessas oportunidades esticava um pouco mais minha atenção à Prateada (nome da égua). Com essa “boa ação” chegaria ao viveiro com todos já tendo se dirigido para o chapadão. 
Ah, pensando bem eles tinham o reforço da turma do Zé Tosta e todo o grupo que trabalhava com ele para o plantio dos eucaliptos. Tudo bem que perder uma viagem de caminhão e as histórias sempre divertidas do Zé Tosta não era muito legal mas convenhamos:
Ninguém se sentiria bem forçando uma criança de 11 anos de idade a trabalhar num matagal daquele com formigas cabeçudas por toda parte. Além do mais eu não tinha a menor vocação para tamanduá.
Pensando assim naquele período de “trabalhos forçados” após atrelar a Prateada à charrete seria de bom alvitre esticar a distância do Apartamento até a casa da Irmã Rosa. Em linha reta daria uns 50 metros se muito.
Como não tinha contramão em Ponte Alta resolvia por minha livre escolha tornar aquele trecho contramão, pés e tudo que cansasse uma criança. Dessa forma saia pela direita do Apartamento e contornava toda a praça para chegar do outro lado da esquina. Isso quando não resolvia fazer a volta lá perto do Barretão para entregar o veículo e a nobre Prateada já bem aquecidos à freira.
O mais interessante de tudo isso era que o Velho nunca reclamou. Era compreensivo nesse sentido. Talvez tivesse vivo ainda na memória seus tempos de criança. Ou quem sabe sabia que não dava pra reclamar de um ser que recebia apenas 21 mil cruzeiros por mês. Vinte e uma notinhas do Pedro Álvares Cabral. E o que era pior: Só assinava o recibo e passava a grana toda para o Velho com uma única exigência: Que ele comprasse toda semana no Mesquita a minha Revista do Esporte e quando fossemos a Uberaba o Almanaque do Tio Patinhas. Era nosso acordo de cavalheiros. Ele sempre cumpriu à risca.
Veículo entregue, pessoal todo trabalhando fora naqueles dias era ficar ali nos fundos da residência do Dr. Barreto me divertindo sendo interrompido apenas pela vinda da Doração, Ozana ou Zilda irmã do Osvaldo Pavini que me convocavam para uma nova tarefa:
Ir à Cooperativa buscar um sapólio, maizena, rinso, sabonete ou qualquer coisa do gênero. Gostava desse trabalho.
Pra encerrar o dia era desatrelar a Prateada, ouvir as reclamações da Irmã Rosa que achava a égua rebelde, teimosa. Eu gostava dela, da Prateada é claro. Aliás todo mundo tinha medo da pobre égua. Comigo ela era mansinha. Normalmente animal gosta de criança. E como eu dava sempre um banho nela após um dia árduo de trabalho acho que era a forma dela demonstrar sua gratidão. Descia até montado para deixá-la no pasto que ficava logo abaixo do parquinho do Tio Pedro.
Nunca soube e nem saberei porque não existe alguém da época para me responder o porquê de levarem a Prateada embora. Foi uma pena.
No lugar dela veio outra égua extremamente mansa. Acho que era para agradar a freira. Essa era calma que só. Na verdade era uma égua meio que mosca-morta. Essa não me lembro o nome. A Irmã Rosa deve ter pedido a substituição porque daí em diante nunca mais reclamou. Da égua é claro. Porque do Marinho... 
E com tudo isso novembro se foi.
Foi um ano inesquecível 1965.
Teve o casamento da minha prima que era uma irmã, a Zilda, ocorrido em junho. Festão na Rua C. Até dancei!
Foi o primeiro ano com o ginásio funcionando. E meu primeiro susto!
O aluninho aplicado que sempre passava em primeiro lugar nos tempos de primário, ficou para “segunda época” (recuperação) em matemática. A raiz quadrada que nem sempre era redonda, as funções que nem sempre funcionavam, os conjuntos que sempre desconjuntavam acabaram por me colorirem minha carteirinha pela primeira vez com a temida cor vermelha.
Moral da história: Logo na primeira vez, férias completas em São Paulo só para a irmãzinha. Teria que retornar mais cedo e passar pelas aulas particulares com a Mestra da matemática: Dona Zely. Valeram mais esses dias de aula com ela que todo o curso ginasial. Pelo menos a matemática se tornou minha melhor amiga em toda a minha vida. Até hoje temos uma relação fantástica.
Mas nem tudo era preocupação. O Ponte Alta fora campeão. Dezembro festivo na terra do cimento.
E antes de minha viagem teria o presente de Natal oferecido pela Fábrica a todas as crianças. Era ficar na expectativa. O que viria?
Nessa época as classes do Grupo Escolar ficavam abarrotadas de presentes. Recebíamos um cartãozinho para ir buscar o agrado oferecido pelo Dr. Barreto e Cia.
Ainda naquele ano o Flamengo fora campeão carioca. Justo em cima do meu Botafogo. Nem podia ir na casa do Bastião Albino. Tirando o Luiz o restante da casa era tudo flamenguista. A Eva então era fanática. Sabia o nome até dos jogadores juvenis. Incrível.
E assim as sombras da primavera iam se despedindo de todos nós pontealtenses. A praça totalmente florida para júbilo do Velho Baltazar.
Os formandos do primário de 1965 comemoravam o encerramento de mais um ciclo participando como era de praxe das cerimônias no Clube que ainda era cinema.
Entrávamos no verão. Chuvas constantes, Natal chegando!
E pra encerrar lembro que vi nesse ano o primeiro jogo de futebol na TV.
Fora numa noite de quarta-feira do mês de junho. Na casa do Cenon. Ele colocou a TV num local alto e na casa dele havia um pátio enorme que ficou totalmente tomado. Brasil x Argentina. 0x0.
Em novembro, num domingo chuvoso assisti a segunda partida na casa do Silvio e Dona Enoe. Fora levado pelo Sr. Clever ou Romildo não me recordo ao certo. Brasil x Rússia. 2x2. Pela primeira vez vi um gol de Pelé.
Assim passei meu penúltimo ano em Ponte Alta.
A volta de São Paulo foi mais esperada e emocionante que a ida.
Um dia eu conto.

Mário Suriane*